sexta-feira, 28 de julho de 2017

A PRESENÇA DISCRETA DE PADRE BROWN


Este é um trecho do conto "O jardim secreto", do volume A inocência do padre Brown, em tradução, sem nenhum exagero, belíssima  de Carlos Nougué, publicada pela editora Sétimo Selo, em 2006. 
Essa passagem, que poderia ser tomada como mera enumeração e apresentação dos convidados do chefe de polícia de Paris, Valentin -- um antípoda do pequeno sacerdote, algo como o lado materialista da lei -- chamou-me atenção desde a primeira leitura. Padre Brown é a um só tempo uma inteligência certeira e desconcertante e uma presença física, dir-se-ia, opaca, ou como foi dito em "Cruz azul", "diminuto simplório" ou, ainda, "um tipo de homem que qualquer pessoa pode levar por um barbante até o Pólo Norte". 
O curioso é que no presente conto é o único que não conta com descrição detalhada que mereceram outras personagens. É simplesmente apresentado como de "Cobhole, Essex, a quem conhecera na Inglaterra". Com isso, a sugestão visual é interessantíssima, uma vez que percebemos como o policial francês olha demoradamente para cada convidado, a ponto de apreender-lhes os pormenores físicos e psicológicos, mas quando passa por Brown, a simples brevidade da descrição faz-nos perceber que seu olho quase o ignora, quando muito o detecta, e assim um recurso aparentemente tão simples descreve certa arrogância esclarecida de Valentin e certo sentimento de rivalidade em relação àquela figurinha de preto, quieta no seu cantinho, humilde e indiferente à exuberância artificial que o rodeia, o que comunica imediatamente com o final do conto anterior, o já aludido "Cruz azul", em que ele, "um padreco de Essex", em vez de prestar atenção à reverência de seus dois rivais -- o detetive esclarecido e o criminoso Flambeau que teve suas intenções reveladas -- ou comover-se ou envaidecer-se com ela,  "olhava em volta à procura de seu guarda-chuva".

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