sexta-feira, 25 de agosto de 2017
PROUST E O CONTROLE DA NARRATIVA
Muitas vezes, quando nossa vida parece prosaica demais, sem peripécias, damos asas à imaginação e começamos a elaborar-lhe uma história incrível em que somos os protagonistas triunfantes e, não raras vezes, emulamos as personagens literárias ou televisivas que admiramos e suas intrigas e, em alguns momentos, lhe vestimos a pele para viver suas aventuras e assim esperamos superar a mediocridade que enxergamos ou supomos enxergar.
Outro grande momento do espírito humano captado por Proust.
Coitada da senhora Leonie que não dispunha de facebook para escrever fancics para seus seguidores.
PROUST E RIVALIDADE EM TODAS AS CLASSES
Que mané luta de classes! A
rivalidade entre as pessoas do mesmo meio, no caso, entre pessoas que pertencem
à criadagem, ou como se diria na linguagem da moda, em "situação de
criadagem", e não entre estas e seus patrões, é muito mais divertida e as
intrigas que resultam disso são tão engenhosas quanto as que são armadas pelos
aristocratas. Proust, com aquele ar blasé, conhecia humanidade por onde quer
que passasse e em todos os meios.
O trecho acima é de No caminho de Swann, trad. Mário Quintana
sexta-feira, 28 de julho de 2017
A PRESENÇA DISCRETA DE PADRE BROWN
Este
é um trecho do conto "O jardim secreto", do volume A inocência do padre Brown, em tradução, sem nenhum exagero, belíssima de Carlos Nougué, publicada pela editora Sétimo Selo, em 2006.
Essa passagem, que poderia ser
tomada como mera enumeração e apresentação dos convidados do chefe de polícia
de Paris, Valentin -- um antípoda do pequeno sacerdote, algo como o lado materialista da lei -- chamou-me atenção desde a primeira leitura. Padre Brown é a
um só tempo uma inteligência certeira e desconcertante e uma presença física,
dir-se-ia, opaca, ou como foi dito em "Cruz azul", "diminuto
simplório" ou, ainda, "um tipo de homem que qualquer pessoa pode
levar por um barbante até o Pólo Norte".
O curioso é que no presente conto
é o único que não conta com descrição detalhada que mereceram outras
personagens. É simplesmente apresentado como de "Cobhole, Essex, a quem
conhecera na Inglaterra". Com isso, a sugestão visual é interessantíssima,
uma vez que percebemos como o policial francês olha demoradamente para cada
convidado, a ponto de apreender-lhes os pormenores físicos e psicológicos, mas
quando passa por Brown, a simples brevidade da descrição faz-nos perceber que
seu olho quase o ignora, quando muito o detecta, e assim um recurso
aparentemente tão simples descreve certa arrogância esclarecida de Valentin e
certo sentimento de rivalidade em relação àquela figurinha de preto, quieta no
seu cantinho, humilde e indiferente à exuberância artificial que o rodeia, o
que comunica imediatamente com o final do conto anterior, o já aludido "Cruz azul", em que ele, "um
padreco de Essex", em vez de prestar atenção à reverência de seus dois
rivais -- o detetive esclarecido e o criminoso Flambeau que teve suas intenções reveladas -- ou comover-se ou envaidecer-se com ela, "olhava em volta à procura de seu guarda-chuva".
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