sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Proust é nosso


Un petit coup au carreau, comme si quelque chose l'avait heurté, suivi d'une ample chute légère comme de grains de sable qu'on eût laissé tomber d'une fenêtre au−dessus, puis la chute s'étendant, se réglant, adoptant un rythme, devenant fluide, sonore, musicale, innombrable, universelle: c'était la pluie.

“Uma pequena batida na vidraça, como se qualquer coisa a tivesse atingido, seguida de uma ampla queda leve como grãos de areia que deixassem tombar do alto de uma janela, em cima, e depois a queda estendendo-se, regulando-se, adotando um ritmo, tornando-se fluida, sonora, musical, inumerável, universal: a chuva.”

Estou no meio do caminho do primeiro volume de Em busca do tempo perdido (No caminho de Swann) de Proust, com a tradução modelo de Mário Quintana. A realização desse trabalho é de tal ordem que a impressão é que ao fazê-lo Quintana acabou por escrever o livro da sua vida, o livro que sempre sonhou escrever, e assim não apenas transpôs para o vernáculo um dos maiores romances franceses como conseguiu realizar, por extensão, e graças à engenhosidade e dedicação tradutória, um dos melhores romances nacionais.
Em tempo, à posição de “a chuva” no final do parágrafo aplica-se a aguda observação que Merquior fez da posição  de “o vaqueiro” no famoso trecho de Os sertões(“O estouro da boiada”), daquilo que ele chamou de a posição expressiva, a qual é manifesta pela  “câmera” que “só focaliza em close depois de um travelling arrebatador (enristado o ferrão, rédeas soltas, soltos os estribos, estirado sobre o lombilho, preso às crinas do cavalo - o vaqueiro!)”. Tal recurso é também explorado na poesia, como na impressionante antropomorfização de uma cachoeira em Ou ela ou eu de Érico Nogueira, seguindo o wildeano “nature imitates art”, ou por outra, a natureza que imita a imaginação:

..........................................e olhava, longe,
com chapéu de araucária, fumando neblina,
queda d’água fazendo de barba, o Barão

De volta a Proust, o trecho em questão reproduz com muita competência o efeito acústico do original, da chuva que é percebida por quem se encontra dentro de uma casa, primeiro as pancadas isoladas às quais se juntam outras até formar, por fim, um coro aconchegante aos ouvidos do jovem Marcel e, também, aos do próprio leitor. E todo o processo de formação desse coro é perfeitamente ilustrado pelas seqüências de períodos que aos poucos vão se desfazendo para se desdobrar numa fileira de adjetivos, cada adjetivo é uma gota de chuva, que se junta uma à outra, ou o primeiro adjetivo intensifica o anterior resultando numa chuva plena, acelerando assim o texto, tornando coro perceptível.  Quanto à  funcionalidade dessa passagem, explica-se pelo bom senso de usar do recurso à tradução, dir-se-ia, literal, sem as irresistíveis “licenças”, e por isso mesmo, no presente caso, bastante eloqüente, na qual se mantém a mesma ordem sintática (exceto pela mudança sutil da posição pronominal que em português é posposta, p. ex. “s'étendant” por “estendendo-se”, e pelo encerramento sintético “a chuva” em vez do analítico “c'était la pluie”), e ainda assim fazê-la soar familiar, bem integrada à ordem natural do nosso idioma.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A ARTE DE NÃO CONVERSAR: BREVES ANOTAÇÕES SOBRE "UM HOMEM SEM QUALIDADES" DE ROBERT MUSIL


 – Vamos conversar!
– Não quero conversar, tenho nojo de você! – respondeu Clarisse, de repente bem lúcida, dona de seus meios de expressão e usando-os com tamanha eficácia como se uma pesada travessa de porcelana caísse exatamente entre os pés dela e de Walter. Este deu um passo atrás e encarou-a surpreendido.


O trecho acima, do romance de Robert Musil, reproduz o único momento em que alguém resolveu ser franco com o outro, na pequena Kakânia. Walter, preocupado com a resolução de Clarisse de ir assistir a uma manifestação política, tenta convencê-la a não sair, e diante da insistência ela lhe dá uma das respostas mais brutais já registradas na literatura. Bem, dizer ter nojo do outro certamente não tem tanto impacto assim, literariamente falando. Então, é preciso que isso seja ilustrado de alguma forma, como é o caso da referência à “lucidez” de quem diz, ao seu domínio “dos meios de expressão”, à “eficácia” com que esses meios são usados, e em seguida usa-se uma imagem que dê mais força à expressão ofensiva, numa gradação dramática... O curioso é não ter havido recurso a imagens eloqüentes, raios, trovões, terremotos ou algo semelhante. Pelo contrário, a brutalidade discursiva e o impacto disso não apenas são ilustrados como são intensificados a ultima potência pela imagem da queda de um simples utensílio doméstico (uma pesada travessa de porcelana), cujo efeito dramático é chocante.

Algo análogo à intensificação das emoções por meio de uma simples imagem doméstica é que, após anos de não discussão sobre a crise do casamento, a explosão dos sentimentos, o desabafo humilhante e violento acontecem por um motivo banal...

Agora, o que de fato me chamou atenção foi um dos aspectos da estratégia narrativa: as ações e o que dizem as personagens nunca refletem aquilo que realmente pensam, nunca refletem sua real intenção. Vamos aos exemplos: os já citados Walter e Clarisse, pianistas, vivem uma crise no casamento e ambos se realizam sensualmente apenas quando tocam piano juntos. A única que coisa que fazem juntos e com prazer é isto: tocar piano, nunca conversam de fato, não tratam de seus problemas reais. Há uma cena que é descrita com certo humor, em que Hulrich(que é a personagem título) visita-os e os vê tocando um piano com tal intensidade que o ambiente vibra, os quadros nas paredes tremem e o visitante se sente meio constrangido como se tivesse aparecido numa hora inconveniente.

Outro exemplo: a organizadora da Ação Paralela, Diótima, e o empresário judeu Arnheim vêem-se atraídos um pelo outro. São as únicas personagens que chegam perto daquilo que se chama conversar, mas quando um declara sua paixão pelo outro, Arnheim decide que o amor entre eles se realiza nas idéias nobres, na beleza dos seus sentimentos e com o tempo a relação esfria.

A relação incestuosa entre os irmãos, que só acontece na parte final do livro, é o auge dessa falta de articulação daquilo que se diz com aquilo que de fato se pensa. Há uma cena em que ambos passeiam pelo bosque, e quanto mais a tensão sexual se impõe, mais eles conversam sobre assuntos totalmente alheios, como filosofia. Às vezes, tem-se a impressão de que o diálogo se opera no puro automatismo, como se não soubessem o que estão dizendo nem para onde estão indo ou o que estão fazendo, como se estivessem falando durante o sono. Com o tempo, acabam se envolvendo de fato, mas depois, ao invés de conversar sobre o que aconteceu, conversam sobre... a natureza do amor.


domingo, 31 de julho de 2011

Uma narrativa poética de Alphonsus

A CATEDRAL
(Lenda do Báltico transplantada para Portugal) – Alphonsus de Guimaraens, in Kiriale, Poesias, ed. Ministério da Educação e Saúde, 1938, pp. 31-34.

Ignota landa astral da Bem-Aventurança,
Já não há sobre a terra o que eu chamo esperança
            JOSÉ SEVERIANO DE RESENDE PRESBIT.

De mon espoir je suis tombe...
Espoir ! Ô tombe de ma vie !

            JAQUES SYMBOLE, GRAND POÈTE INCONNU

                                                           Ao dr. Dario da Silva




Dona Guiomar tombou de giolhos,  1
– Dobravam tôdolos sinos –
E no horizonte dos seus olhos
   Dois Anjos cantaram hinos.

As mãos em cruz, a alma petrina       5 
   Suspendendo os alvos peitos...
Que amargura quasi divina
    Nos seus olhos contrafeitos!

Era no tempo em que a moirama     9
  Dominava a Portugal.
Como rezaste, nobre Dama,
  Nessa noite de Natal...

“Senhor meu Deus onipotente,                  13
    Ouvide a voz de uma louca...”
(Bem se via que uma alma crente
    Te soluçava na Bôca.)

“A Catedral que vos levanto            17
  É feita de pedra e cal...
Senhor Deus, que eu exista enquanto
   Existir a Catedral!”

Foram palavras céu arriba,              21
  Clamaram no mar profundo...
Ouviu-las Deus, e um velho escriba
   Anotou-as cá no mundo.

E mesterais dos mais valentes                   25
   Vão começando o trabalho:
Qual quebra as pedras em torrentes,
   Qual as prepara com o malho.

Tamanho esforço sobrehumano           29
  Põe de pé a Catedral,
E já passara mais um ano,
  E outra noite de Natal.

Não têm mais conta os dobrões de oiro      33
   Que a nobre Dama gastou na Igreja.
Fôsse embora mais de um tesoiro,
  Eis acabada a peleja.

Dona Guiomar está contente,                  37
  Tôda ledice na face,
Por não morrer ri-se da gente...
  Não houve quem la invejasse.

Passaram muitos longos dias,               41
  Meses, anos afinal.
Quantas pungentes agonias
  Desde a noite de Natal!

E fica velha a nobre Dama,              45
  Tôda cheia de cansaço...
Não se levanta mais da cama,
  Nem pode dar mais um passo.

Lastima o tempo em que era forte,       49
  Benfadada e benquerida.
Só reza agora, pede a morte,
  Só por ter eterna vida.

Como o Senhor há-de ouví-la,         53
  Se não tomba a Catedral?
– Dorme, Fidalga, bem tranquila,
  Que não tem cura o teu mal.

E para ela um caixão foi feito:           57
  E nele o corpo deitando,
Dona Guiomar, com as mãos ao peito,
  Pôs-se esperando, esperando...

Séculos passam no infinito,            61
  E ela está sempre deitada,
Sem um gemido, sem um grito,
  Dos olhos fitos sem ver nada.

Junto à Dama quasi-defunta                65
  Reza um padre no Natal,
Dona Guiomar então pergunta
  Se tombou a Catedral...


Eis um poema brasileiro que trata de uma lenda medieval. Lembra o melhor romantismo europeu que contava com um recuo temporal mais amplo, ao passo que os nossos românticos  não tinham nada mais antigo que tratar senão de índios.
Para ilustrar uma lenda medieval, Alphonsus de Guimaraens se vale da dicção de época. Na verdade, uma imitação, pois se levasse essa dicção a fundo só poderíamos ler o poema com ajuda de filólogos. São 17 estrofes e cada uma se alterna entre dois versos octossílabos – metro muito usado na poesia cortesã – e dois heptassílabos dispostos de forma cruzada ou entrelaçadas, de acordo com suas respectivas rimas. Quanto à narrativa em si, a voz do poema não se limita a contar uma história, mas por vezes rompe a cortina, “esquecendo” o leitor para se dirigir à própria personagem(vv. 11-12, 15-16, 55-56.), mas sem interferir no seu destino, limitando-se a testemunhar ou lamentar sua dor.  O vocabulário é arcaico até mesmo para o fim do século XIX, como “giolhos” em vez de “joelhos”(v.1), além do recurso à eustomia: “todolos”(v.2); “quem la invejasse”(v.40). Reparem que esse recurso não foi usado em todos os casos, pois se no 23º verso podemos ler “ouviu-las” logo em seguida lemos “Anotou-as”. Provavelmente um modo de evitar a cacofonia(anotôlas) que arrepia os cabelos de muitos poetas e críticos atuais, mas que estava longe de ser a preocupação dos grandes poetas do passado, entre os quais Camões com o famoso “Alma minha...” e que não teve pudor de inventar “Amarei-lo” para brincar com a palavra “amarelo”.
Manuel Bandeira, um mestre na arte da emulação, entre outras, da poesia medieval(“Mha senhor, com’oje dia son”) escreveu: “Nesta semana de Congresso Eucarístico tenho rezado bastante, não repetindo as orações que aprendi menino – o padre-nosso, a ave-maria, a salve-rainha – mas relendo os versos de Alphonsus de Guimaraens....”. De fato, essa frase diz muito a poesia do poeta de Mariana(“É a lua... E a lua é Nossa Senhora,/são dela aquelas cores de Santa!”).  “A Catedral”, porém, não é propriamente convidativo à prece. Pelo contrário, é garantia de noites seguidas de pesadelos e bem mais incômodos que a idéia de elfos, dragões e toda sorte de monstrinhos do imaginário medievo  perseguindo crianças e virgens para matá-las.
Vemos aqui a experiência da eternidade terrena como algo não muito agradável, pior ainda se não houver o alento da juventude ou de um corpo sadio, fazendo com que a infeliz dona Guiomar viva, por assim dizer, os processos de degradação da morte sem nunca ser atingida por ela.
Mais: Dona Guiomar faz um tipo de pedido que geralmente não é dirigido a Deus, a Quem se pede normalmente vida longa e com saúde, mas nunca uma vida tão longa que se confunda com a eternidade e esteja tão colada à existência de uma Catedral(Senhor Deus, que eu exista enquanto/ Existir a Catedral!).  O que intriga mais ainda é que esse pedido tenha sido atendido(Foram palavras céu arriba,/ Clamaram no mar profundo.../Ouviu-las Deus, e um velho escriba/  Anotou-as cá no mundo.), o que levanta algumas questões: foi Deus ou foi o “outro” quem, também ouvindo a prece, resolveu se adiantar e atender prontamente ao pedido? Ou ainda, Deus realmente atendeu ao pedido e assim a lenda, sendo medieval, é contaminada pela cultura pagã, em que toda sorte de prece é atendida? Se Deus atendeu à dona Guiomar, tê-lo-ia feito como se estivesse submetendo-a a uma provação? Teria, assim, sido punida severamente pelo seu orgulho e falta de humildade(Dona Guiomar está contente, /Tôda ledice na face,/Por não morrer ri-se da gente.../ Não houve quem la invejasse.)? Isso posto, foi seu castigo ter sua prece atendida?


terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma crítica na revista Ponto Zero a "Os Amadores" de Pedro Sette Câmara

Já tive a oportunidade de falar desta peça aqui e aqui. Érico Nogueira também se ocupou do assunto num texto tão enxuto quanto elucidativo e que parte dos seus conhecimentos da poética aplicada ao drama. E, finalmente, mais uma crítica, por sinal - e para nosso bem - detalhada. Boa leitura.

http://www.pontozero.net.br/cenicas_amadores.php#

quarta-feira, 9 de março de 2011

ALPHONSUS DE GUIMARAENS E A POESIA AGRADÁVEL



 
XXXVII

Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como sigo.
Não bendigo a ninguém, e nem maldigo:
Tudo é morto num peito miserando.

Vejo o sol, vejo a lua e todo o bando
Das estrelas no olímpico jazigo.
A misteriosa mão de Deus o trigo
Que ela plantou aos poucos vai ceifando.
 
E vão-se as horas em completa calma.
Um dia (já vem longe ou já vem perto?)
Tudo que sofro e que sofri se acalma.
 
Ah se chegasse em breve o dia incerto!
Far-se-á luz dentro em mim, pois a minh’alma
Será trigo de Deus no céu aberto...


Alphonsus de Guimaraens é um dos poetas mais agradáveis da nossa literatura, uma espécie de Casimiro de Abreu vitaminado.
Ser agradável é uma característica notável da nossa poesia. Castro Alves, por exemplo, não abria mão dessa qualidade. A não ser assim, não teria composto um dos mais bem construídos poemas da nossa língua, como “O baile na flor”, que é uma engenhosa aplicação da chamada “arte maior”, ou até “O navio negreiro”. Mesmo quando se indignava com a sorte dos escravos era capaz de compor verdadeiros prodígios da engenharia sonora: “Era um sonho dantesco... o tombadilho/ que das luzernas avermelha o brilho”.
Os poemas tuberculosos e sombrios de Álvares de Azevedo poderiam ser tranqüilamente declamados para uma bela garota no alto do Arpoador(Palor de febre meu semblante cobre). Pensando bem... nem tanto, a não ser que goste de poesia também.  De qualquer maneira, uma boa qualidade dos poetas românticos é que mesmo ao desejarem guilhotinar o próximo para salvar a humanidade não deixavam de dedicar aos seus versos o mesmo cuidado do “ourives” de que fala Bilac.
E Vinícius de Moraes? É inegável a graciosidade e a plasticidade de “Eu te peço perdão por te amar de repente” ou a genial resolução imagético sonora que é a abertura do demagógico “Um operário em construção”(Era ele que erguia casas/ onde antes só havia chão./ Como um pássaro sem asas/ ele subia com as casas/ que lhe brotavam das mãos). Quanto ao que se segue, é uma constrangedora idealização do operário que parece ter sido escrito por um ricaço com sentimento de culpa que, num gesto extremo de egoísmo, resolve atribuir a si mesmo a responsabilidade por todos os males do mundo. Enfim, uma bobagem com método.
Não esqueçamos do meu luso-conterrâneo Gregório de Matos, que num dos poemas mais insultuosos da nossa língua, compôs esta bem arquitetada gradação verbal: “Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha”, e no mesmo poema, algo como um arremate a um insulto que aciona o piloto automático do Ministério da Igualdade(ou da Exclusividade, sei lá) Racial, legou à nossa literatura um verso que outros grandes poetas adorariam ter feito: “posta nas palmas toda a picardia.” Isso, sim, que é insultar com harmonia no coração!
Voltando ao bardo mineiro, o soneto XXXVII faz parte de um de seus livros póstumos que só vieram à luz em 1938, numa edição de poesias completas organizada e revista por Manuel Bandeira, e publicada pelo antigo Ministério da Educação e Saúde e responsável pela volta de uma forte reação alérgica de que ora sofro. O poeta tinha morrido em 1921.  
Não se demora a notar a simplicidade e a graça do velho cancioneiro português(Nam vos sirvo nem vos amo/ mas desejo vos amar,/ de sempre vossa me chamo/ sem quem nam é repousar. D. Philipa de Lencastre, “Ao bom Jesus” sec. XV)); também algum acento camoniano, ainda que não apresente algumas ginásticas verbais que, vez ou outra, o bardo português usava sem comprometer a leveza dos seus versos(Que um contino imaginar/naquilo que amor ordena,/é pena que, enfim, por pena/se não pode declarar).
Sua correção rítmica e acentual, com umas poucas variações que só ocorrem quando realmente necessárias, é análoga à correção dos cânticos litúrgicos em comparação às composições religiosas polifônicas que, por mais intenções religiosas tenham, não servem ao propósito da missa, mesmo que seja uma missa de Bach.
O primeiro quarteto é composto de versos cuja melodia retilínea está bem de acordo com seu caráter bastante assertivo: “ninguém anda...”, “ninguém segue”; “não bendigo... “tudo é morto...” Essa retilinearidade também se harmoniza com uma linguagem prosaica e um fraseado agradavelmente limpo. A linguagem dos três primeiros versos certamente já foi, é e será usada por vários devotos espalhados pelo mundo, exceto pelo fato de que a não estruturam numa moldura sonora que faça alguém perceber uma imagem definida que só pode ser percebida, por sua vez, pelos ouvidos: o primeiro quarteto é totalmente reiterativo, tem as mesmas acentuações(3, 6, 10), o que facilita bastante a percepção de uma sonoridade uniforme.
No mesmo quarteto duas idéias diversas se manifestam, apesar das fortes reiterações: os dois primeiros versos permitem perceber o orgulho devocional, e os dois restantes parecem dizer que alguma coisa está errada, a saber,  indiferença no terceiro e uma triste constatação no quarto. Afinal, como pode ser “miserando”  “um peito” que “anda” com Deus ou O “segue” praticamente o tempo todo?
O verso que abre o quarteto seguinte – um dos mais bonitos de todo poema, uma espécie de chave de ouro sem a sua natureza conclusiva – permanece, praticamente, com a mesma acentuação dos anteriores. Por outro lado, a reiteração rítmica se acumula numa única linha lhe proporcionando mais variedade sonora  (vejo o sol, vejo a lua e todo o bando ), como se estivesse reproduzindo três paradas ou pausas que são necessárias para visualizar três objetos por vez em razão da distância temporal: durante o dia vê-se o sol, primeira pausa;  ao final da tarde, a lua, segunda pausa; e no auge da noite o “bando” que o sexto verso nos informa ser o de “estrelas” no deslumbrante “olímpico jazigo”. Verso esse a partir do qual uma linguagem mais sublime ou mais relacionada ao mistério começa a aparecer.
Os sétimo e oitavo versos, seguindo o padrão de escola, usam de certo acento bíblico para ilustrar a mortalidade(A misteriosa mão de Deus o trigo/Que ela plantou aos poucos vai ceifando.) e que recordam de algum modo o igualmente delicado “rosas,/ que em o dia que nascem/ em esse dia morrem”, de Ricardo Reis.
Apesar do dramático “ceifando”, a mortalidade não é ainda o problema. Pelo contrário, estaria longe de o ser. É um privilégio. Vejamos. Os tercetos resgatam a linguagem mais aproximativa do primeiro quarteto. Se o esquema de rimas já era simples, no primeiro terceto simplifica mais ainda ao rimar um adjetivo com sua versão verbal(calma/acalma.) que lembram, posto que vagamente –  porém mais engenhoso –  o “é pena que, enfim, por pena” camoniano. Aqui a constatação, ao menos indiferente na aparência,  da mortalidade(um dia.../ Tudo que sofro e que sofri se acalma.) e a expectativa ansiosa da morte((... já vem longe ou já vem perto?)) se misturam, conferindo ao terceto um belo efeito emocional, como o constatamos nos poemas do já citado Ricardo Reis, nos quais um drama intenso se expressa em versos calmos, de sentimento estóico. Acontece que essa ansiedade não se explica pelo medo, mas pelo desejo de que o dia definitivo chegue o mais rápido possível, como se houvesse a certeza de que esta vida, por melhor e mais aprazível que seja, não é nada se comparado ao que de fato realmente nos espera:

Ah se chegasse em breve o dia incerto!
Far-se-á luz dentro em mim, pois a minh’alma
Será trigo de Deus no céu aberto...

Eis, pois, um terceto que encerra o poema de forma reconfortante, com uma criativa imagem agrícola(... minh’alma/ será trigo de Deus no céu aberto...) aplicada aos corpos celestes, e que consegue nos aliviar da angústia do fim perceptível naquela charmosa dicção aristocrático-pagã dos também mui delicados poemas de Ricardo Reis.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

POEMA DE LOS DONES, de Jorge Luis Borges




Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dio a la vez los libros y la noche.

De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden

las albas a su afán. En vano el día
les prodiga sus libros infinitos,
arduos como los arduos manuscritos
que perecieron en Alejandría.

De hambre y de sed (narra una historia griega)
muere un rey entre fuentes y jardines;
yo fatigo sin rumbo los confines
de esta alta y honda biblioteca ciega.

Enciclopedias, atlas, el Oriente
y el Occidente, siglos, dinastías,
símbolos, cosmos y cosmogonías
brindan los muros, pero inútilmente.

Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
yo, que me figuraba el Paraíso
bajo la especie de una biblioteca.

Algo, que ciertamente no se nombra
con la palabra azar, rige estas cosas;
otro ya recibió en otras borrosas
tardes los muchos libros y la sombra.

Al errar por las lentas galerías
suelo sentir con vago horror sagrado
que soy el otro, el muerto, que habrá dado
los mismos pasos en los mismos días.

¿Cuál de los dos escribe este poema
de un yo plural y de una sola sombra?
¿Qué importa la palabra que me nombra
si es indiviso y uno el anatema?

Groussac o Borges, miro este querido
mundo que se deforma y que se apaga
en una pálida ceniza vaga
que se parece al sueño y al olvido.





Os contos de Jorge Luis Borges são os mais impressionantes da literatura. Na verdade, acabo dizendo isso a respeito de tudo de que gosto. (Os contos de Relíquias da casa velha de Machado de Assis são... Os contos de Murilo Rubião são... Os..) Porém, quando me deparo com sua poesia, acabo cometendo o mesmo excesso. (A poesia de Jorge Luis Borges é...) De qualquer maneira, minha preferência é pela poesia, mesmo quando os contos em questão são os que fazem parte do volume Ficciones ou quando se trata de “There are more things” de El libro de arena, dedicado a Lovecraft, e que é um dos melhores contos de terror que já li.
Nessa narrativa, ao invés de se descrever em detalhes a aparência horrenda e sobrenatural do dono de um solar misterioso, essa é sugerida pela menção ao formato inusitado das mobílias(Ninguna de las formas insensatas que esa noche me deparó correspondía a la figura humana o a un uso concebible.). Até mesmo o formato convencional de partes da casa parece agravar, pelo contraste, as especulações sobre essa mesma aparência. (Esa escalera, que postulaba manos y pies, era comprensible y de algún modo me alivió.) Ademais, o parágrafo final emula o igualmente assustador “Garra do macaco” de J. J. Jacobs.
Diria também que seus contos apresentam uma propriedade da poesia que muito admiro: sensação de simultaneidade. Elementos de várias naturezas, diferentes cenários, teorias ocultistas, teológicas, filosóficas e toda sorte de diversões intelectuais que ocupam o espírito de detetives se desenvolvem lado a lado com alguma trama e toda essa maravilhosa barafunda se prolonga na sua obra poética, como podemos notar em “Ajedrez”, um soneto que trata da predestinação,  e que figura no livro El hacedor(1960)  e do qual também faz parte “Poema de los dones”, acima estampado, e que deve ser um dos poemas mais sentimentais(no bom sentido) a compor o volume. É algo como uma versão “cabeça” de “Meus oito anos” de Cassimiro de Abreu ou “A canção de exílio” de Gonçalves Dias, mas dentro da qual(perdoai-me o abuso da liberdade anatômica) “também bate um coração”. E bate mesmo.
Esse poema tem algo de narrativa. Visualizamos alguém percorrendo uma biblioteca, tateando esse espaço, caminhando com a mesma lentidão e hesitação da música dessas engenhosas quadras. Vamos a alguns exemplos.
Na abertura da segunda estrofe, “i” de libros se prolonga no verbo seguinte(hizo), ou arrasta-se até ele; ou ainda, uma longa caminhada e o roçar as inúmeras lombadas são bem ilustrados pelos nove substantivos que regem um único verbo(brindan) que só aparece no verso final. (É uma estrofe, aliás, ilustrativa e que diz todo o poema. A única coisa que resta ao cego-narrador é apalpar as lombadas e imaginar o que guarda cada uma delas e listar mentalmente os assuntos aos quais não pode mais retornar senão pela memória: “...unos ojos sin luz, que sólo pueden/ leer en las bibliotecas de los sueños/ los insensatos párrafos...”. Por isso, nenhuma teoria por trás desses assuntos é desenvolvida ou discutida em todo o poema. Há apenas uma listagem.) “Lento en mi sombra, la penumbra hueca” é também um belo exemplo de verso imitativo: o intervalo quaternário, mais a pausa natural, aumentam a distância entre as assonâncias. (“sombra” e “penumbra”) Uma fileira de vogais ou de sons vocálicos têm um papel muito importante na quarta estrofe e parecem se prolongar indefinidamente, conferindo ao ambiente uma sensação de amplitude comumente intensificada pela própria cegueira ou por um lugar escuro: “de esta ALta y HONda biblioteca ciega.” Essa sensação de amplitude espacial é também o efeito causado pela abertura da penúltima estrofe, mas dessa vez pelo recurso à antropomorfização(lentas galerias), também presente no verso citado anteriormente(biblioteca ciega).
Nesse poema, por fim, não há um abismo entre o mundo intelectual e a vida propriamente dita. (Como se isso tivesse existido em algum momento!) Pelo contrário, são dois elementos que se confundem a tal ponto que sempre pareceram identificar-se um ao outro. Mais ainda, o que é normalmente visto como mero cerebralismo é justamente o que mais reforça a natureza emotiva do poema e faz com que nos identifiquemos com aquela situação narrada. A enumeração enciclopédica da quinta estrofe, por exemplo, explicita de forma eloqüente uma privação que é também ilustrada pelo recurso ao mito de Midas, recordado em versos tão arrebatadores quanto o melhor poema de amor ou uma elegia: “De hambre y de sed (narra una historia griega)/ muere un rey entre fuentes y jardines”.  Esses versos, cuja música é tão suave aos ouvidos e tem a qualidade do melhor adágio, jamais poderia sair da cabeça de um Dr. Spock argentino.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"Canção de Níobe", de Silvério Duque: Mater dolorosa

 
Se morta, sim, eu me fizesse, adormecendo
sobre os braços da terra amiga, pouparia
meu coração desesperado e me faria
como a doce romã que, agora, florescendo,

amadurece alegre, e, enfim, apodrecendo,
reduz sua doçura à lembrança de, um dia,
ter sido, entre outras tantas, a que, de alegria,
povoou o chão com belas sementes; mas vendo

minha função de mãe minorada a um momento
de mais profunda angústia, assim, eu permaneço,
petrificada, imóvel pelo sofrimento,

não recordando mais da luz do sol nascente
e nem sentindo a forma fria onde me esqueço:
esta fonte a fluir sua dor, eternamente...


Níobe
por Ovídio

(...)Queda-se só,
entre os cadáveres dos filhos, e os das filhas, e o do marido.
Pela desgraça fica hirta. A brisa já nem um só cabelo move,
o rosto empalidece, sem pinga de sangue, os olhos param,
imóveis, na desolada face: nada está vivo na sua figura.
Até a própria língua se congela no interior do palato
endurecido, e as veias desistem de poder palpitar.
E já nem o pescoço se flecte, nem os braços se movem,
nem os pés logram andar: até o interior das vísceras é pedra.
Porém ela chora. E, apanhada pelo turbilhão de um vendaval,
é levada para sua terra. Ali, fixada no cimo de um monte,
desfaz-se a chorar, e ainda hoje do mármore jorram lágrimas.

Ovídio, Metamorfoses, livro VI, VV. 301-312, trad. Paulo Farmhouse Alberto


Este é o momento em que Níobe - após ter disputado com Latona a primazia das oferendas - vê seus sete filhos, seu maior orgulho, morrendo um a um alvejados pelas setas de Apolo e de Diana, filhos da própria Latona. Alguém submerso numa dor tão imensurável que a única imagem possível é de uma pedra que chora, é uma metáfora tão poderosa quanto tocante.
O soneto - do livro Ciranda de sombras a ser lançado proximamente - que antecede ao trecho de Ovídio foi resultado de um desafio que fiz a seu autor e meu amigo Silvério Duque. Após ouvi-lo narrar esse mito, fiquei tão impressionado com a precisão com que o fez que não vi outra saída senão pedir-lhe que escrevesse um poema sobre o assunto.
Afinal, da mesma forma que só a mutação em pedra-fonte poderia dizer a dor da personagem, a poesia seria a única forma de dizer essa dor.
Eis que poucos dias depois, o autor me aparece com esse alexandrino em que dá voz à própria vítima do infortúnio e que encerra com um verso extraído ao fragmento da poetisa Safo de Lesbos.
Salvo engano, a única parte do poema que chegou ao nosso conhecimento.
Reparem a mobilidade das cesuras no primeiro quarteto que aos poucos cede espaço à sua imobilidade a partir do quarteto seguinte, sempre nas sextas sílabas, como se estivesse a ilustrar assim o processo de petrificação.
Além disso,  o estilo contido que diz de algum modo esse estado pétreo da narradora, e a distribuição imitativa da rimas. Ou seja, os verbos “florescer” e “apodrecer” encerram, cada um,  respectivamente, o quarto e o quinto versos, seguindo assim uma seqüência lógica.



domingo, 2 de janeiro de 2011

Os amadores, de Pedro Sette-Câmara, e um parênteses machadiano



Numa palestra sobre As almas que se quebram no chão(parte 1 e parte 2) tive a oportunidade de apresentar o romance Eu vos consagro a minha língua, de José Carlos Zamboni, e a peça Os amadores, de Pedro Sette-Câmara. Nessa peça, o espírito romântico, que também habita os dois romances, é dissecado e assim revelada sua verdadeira natureza. Ademais, pareceu-me  curioso uma peça com dicção de comédia para adolescentes, com algo das novelas de Manoel Carlos(I-love-you-Rio-com-bossa-nova-como-trilha-sonora), e também do teatro grego com a curiosa “Voz Elegante” fazendo as vezes do coro, mais explicitar que atenuar a influência de Memórias do subsolo, de Dostoiévski. Só que agora, ocorre-me apontar a familiaridade com a visão também sem atenuantes dos romances Machadianos, incluindo os dois primeiros da fase romântica, A ressurreição(1872) e a Mão e a Luva(1874). Diria ainda mais desses que os da segunda fase.
Os dois primeiros ao menos, principalmente o de estréia, não me parecem propriamente românticos. (Ia-iá Garcia e Helena – os dois últimos dessa fase –  correspondem mais, é verdade, à característica romântica propriamente dita, com direito às revelações de revelações de revelações... até que finalmente se descobre que a mocinha pobre não era uma vadia e assim finalmente casa-se com o mocinho rico de bom coração.) Pelo contrário, os elementos da segunda fase e a anatomia do espírito humano já estão bem presentes nos dois primeiros, os quais – coincidência? – são justamente os que apresentam a narrativa mais linear, mais característica da fase seguinte. Observe-se que, com toda sua inventividade, Memórias póstumas de Brás Cubas não apresenta tanta peripécia narrativa que se percebe em Helena, muito menos os que o seguem.
N’A ressurreição e A mão e a luva, a técnica romântica propriamente dita, com todos os seus sentimentalismos, parece ser usada mais para evidenciar a tibieza romântica, a que faz uso de motivos nobres para não conseguir o que se quer:

Em matéria de amor, deixa-se o homem de espírito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para ele entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um coração como o seu, imagina-as capazes, como ele, de generosidade, nobreza e grandeza. Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades acima do vulgar. Naturalmente tímido, exagera mais ao pé delas a sua insuficiência: o sentimento que lhe falta muito, torna-o desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até à timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exala-o por meio de uma não interrompida série  de meigos cuidados, ternos respeitos e atenções  delicadas. Como nada quer à custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé daquela que ama, não a persegue, não a fadiga com a sua presença. Para interessá-la em suas mágoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrário, esforça-se por ser sempre bom, afetuoso e alegre junto dela. Quando se retira da sua presença, é que mostra o que sofre, e derrama as suas lágrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si próprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralisa a audácia.

É preciso ser muito romântico para acreditar que Machado de Assis esteja elogiando tal “homem de espírito” apenas porque o trecho em questão encontra-se numa obra da fase romântica. Esse é um trecho do terceiro capítulo do livro de estréia, A ressurreição. Vejamos agora como se comunica com este trecho de Os Amadores:


VOZ ELEGANTE: Você ainda não percebeu que seus amigos consideravam você
alucinado e imaturo?
VÁLTER: Eu estava preparado para isso. No fundo, no fundo... Eu sabia que eles não chegariam a entender.
VOZ ELEGANTE: Você se sente muito superior.
VÁLTER: Eu sou um injustiçado.
VOZ ELEGANTE: E você quer um bálsamo ou quer justiça?
VÁLTER: Quero que o mundo pare para se admirar com Ícaro se afogando. Quero
que reconheçam o sentimento superior e mais nobre quando ele aparece. Quero que uma mulher que é uma deusa saiba disso e reconheça quem percebeu isso nela.
VOZ ELEGANTE: Justiça, então, é você, as suas ambições serem justificadas. Justiça é o mundo olhar para o sofrimento da sua alma.
VÁLTER: E não é?
VOZ ELEGANTE: Você está morto, Válter. Para sempre. Como eu. Você não sente que as chamas vão ficando mais fortes?


Eis como os dois trechos, escritos por duas sensibilidades afastadas uma da outra por mais de cem anos, mas unidas pela percepção cirúrgica do real, revelam o que se esconde por trás dos  sonhos e ambições que não encontram sua tradução em realizações concretas(uma alma ardente e frouxa, nascida para desejar, não para vencer, uma espécie de condor, capaz de fitar o sol, mas sem asas para voar até lá. In A mão e a luva), mas que, ironicamente, não impede o sonhador de buscar um reconhecimento justamente por aquilo que não fez, bastando-lhe as boas intenções a se traduzirem numa sensibilidade para perceber o “belo e o sublime”, sensibilidade essa que – segundo o próprio sonhador -   deveria distingui-lo dos mortais, do vulgo, ou, usando de uma imagem machadiana, pôr o “homem de espírito” acima do “tolo audacioso”.

P. S.
Leiam também um ótimo texto de Érico Nogueira sobre a peça.